- Postado por Maria Afonso no ICA
"Vocês já se perguntaram alguma vez, por que muitas pessoas ao se tornarem mais velhas, parecem perder toda a alegria de viver?
No momento, a maioria de vocês, que são jovens, é relativamente feliz; tem lá seus pequenos problemas, suas preocupações sobre os exames, mas, apesar dessas perturbações, há, na sua vida, uma certa alegria, não é verdade? Há uma espontânea e natural aceitação da vida, uma visão das coisas despreocupada e feliz.
Mas, por que razão, ao nos tornarmos mais velhos, parecemos perder aquele brilho de algo transcendental, algo de mais significativo? Por que tantos de nós, ao alcançarmos a chamada maturidade, nos tornamos embotados, insensíveis à alegria, à beleza, ao céu sereno e às maravilhas da terra?
Quando uma pessoa faz a si própria esta pergunta, muitas explicações aparecem ao espírito. Temos muito interesse em nós mesmos - esta é uma delas. Lutamos para nos tornarmos alguém, para alcançarmos e conservarmos uma certa posição; temos filhos e outras responsabilidades, e temos que ganhar dinheiro. Todas essas coisas que se agitam em nosso interior não tardam a nos deprimir, e perdemos assim a alegria de viver.
Olha os rostos dos mais velhos, de vosso círculo de conhecimentos, são tristes na maioria, e gastos, adoentados, reservados, alheados, alguns são neuróticos, sem um sorriso. Você não se pergunta por que eles são assim? E mesmo quando nos perguntamos o porquê disso, a maioria de nós parece se satisfazer com meras explicações.
Ontem de tarde vi um barco que subia o rio, de velas infladas, impelido pelo vento oeste. Era um barco grande e transportava uma carga pesada de lenha indo em direção à cidade. O sol se punha e a embarcação, desenhada contra o céu, mostrava um beleza ímpar. O barqueiro só tinha de guiá-la; nenhum esforço era necessário, pois o vento fazia todo o trabalho. Analogamente, se cada um de nós compreendesse o problema da luta e do conflito, penso que poderíamos viver sem esforço, felizes, de rosto sorridente.
Para mim, é o esforço que nos destrói, esse lutar em que despendemos quase todos os momentos de nossa vida.
Se você observar ao seu redor, as pessoas mais velhas, verá que para quase todos a vida é uma série de batalhas consigo mesmos, com suas mulheres ou maridos, com seu próximo, com a sociedade; e essa luta incessante dissipa muita energia.
O homem que vive alegre, verdadeiramente feliz, está livre de todo esforço.
Viver sem esforço não significa se tornar estagnado, embotado, estúpido; ao contrário, só os homens sensatos, altamente inteligentes, estão verdadeiramente livres do esforço e da luta.
Mas, quando ouvimos falar em viver sem esforço, queremos viver assim, desejamos alcançar um estado em que não haja luta nem conflito; transformamos esse estado em nosso alvo, nosso ideal, e por ele lutamos; e desde esse momento perdemos a alegria de viver. Estamos de novo empenhados em esforço, luta.
O objeto da luta varia, mas toda luta é essencialmente a mesma. Um luta pela promoção de reformas sociais, ou para achar Deus, ou para criar melhores relações no lar ou com o próximo; outro senta-se à margem do Ganges ou se prostra devotamente aos pés de um guru - etc. etc. Tudo isso representa esforço, luta. O importante, por conseguinte, não é o objeto da luta, porém, sim, compreender a própria luta.
Ora, é possível a mente não apenas perceber ocasionalmente que não está lutando, porém estar sempre livre de esforço, de modo que possa descobrir um estado de alegria em que não haja nenhuma idéia de superioridade e inferioridade? O caso é que a mente se sente inferior e por esta razão luta para "se tornar" alguma coisa, ou conciliar seus vários desejos contraditórios. (...)
Todo homem que pensa, sabe, por que há luta, interior e exteriormente. Nossa inveja, avidez, ambição, nosso espírito de competição, que nos impele à mais impiedosa eficiência - são obviamente estes os fatores que nos fazem lutar, no mundo atual ou no mundo do futuro. Por tanto, não temos necessidade de estudar livros de psicologia para sabermos por que lutamos; e o que certamente, tem importância é que descubramos se a mente pode ficar totalmente livre de luta. Afinal de contas, quando lutamos, o conflito é entre o que somos e o que deveríamos ou desejamos ser.
Pois bem; sem se procurarem explicações, pode-se compreender todo esse processo de luta, de modo que ele termine? Como aquele barco levado pelo vento, pode a mente existir sem luta? A questão é esta, sem dúvida, é não como alcançar um estado em que não haja luta.
O próprio esforço para alcançar tal estado é, em si, um processo de luta e, por conseguinte, aquele estado nunca pode ser alcançado. Mas, se observar, momento por momento, como a mente se deixa colher nesse emaranhado de luta incessante - se observar simplesmente o fato, sem tentar alterá-lo, sem impor à mente um certo estado que chama "de paz" - verá que, espontaneamente, a mente deixará de lutar; e nesse estado ela é capaz de aprender infinitamente.
Aprender já não é, então, mero processo de acumular conhecimentos, porém de descobrimento de extraordinárias riquezas existentes além do alcance da mente; e para a mente que faz tal descobrimento, há grande alegria.
Observem a si mesmos, para verem como lutam de manhã à noite, e como sua energia se dissipa nessa luta. Se forem explicar por que lutam tanto, vocês ficarão perdido numa floresta de explicações e a luta prosseguirá; mas se, ao contrário, observarem vossa mente, com serenidade e sem dardes explicações; se deixardes simplesmente que vossa mente esteja consciente de sua própria luta, verá que muito depressa surgirá um estado no qual nenhuma luta haverá, um estado de extraordinária vigilância. Nessa vigilância, não há idéia de "superior" e "inferior", não há homem importante nem homem insignificante, não há guru. Todos esses absurdos desapareceram, por que a mente está inteiramente desperta; e a mente de todo desperta está cheia de alegria...
Afinal de contas, que é "contentamento" e o que é "descontentamento"? Descontentamento é a luta pela realização de mais, e contentamento a cessação dessa luta; mas, não se chega ao contentamento, se se não compreende todo o "processo" relativo ao mais, e por que razão a mente o exige.
Se você é mal sucedido num exame, por exemplo, terá de repeti-lo, não é verdade? Os exames, em qualquer circunstância, são uma coisa sumamente deplorável, já que nada representam de significativo, já que não revelam o verdadeiro valor da sua inteligência. Passar num exame é, em grande parte, um "golpe" de memória ou, também, de sorte; mas, se luta para passar em seus exames e, quando são mal sucedidos, continuam nessa luta.
O mesmo "processo" se verifica diariamente, na nossa vida. Estamos lutando por alguma coisa e nunca nos detivemos para investigar se essa coisa é digna de lutarmos por ela. Nunca perguntamos a nós mesmos se ela merece nossos esforços e, portanto, ainda não descobrimos que não merece verdadeiramente (...) É só quando tivermos compreendido inteiramente o significado do que é "mais", é que deixaremos de pensar em termos de fracasso e de sucesso.(...)
Estamos sempre pensando em termos de êxito, em termos de mais; e o mais é valorizado pela sociedade. Em outras palavras, a sociedade estabeleceu, com todo cuidado, um certo padrão, pelo qual mede o seu sucesso ou o seu insucesso. Mas, se você ama uma coisa e a faz com todo o vosso ser, então já não se importa com êxito nem o fracasso. Nenhum homem inteligente se importa com isso.(...)
Só quando não amamos o que fazemos, pensamos nesses termos.
Krishnamurti em Aos pés do Mestre
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