FOGO:
Ele tem estado conosco desde que a humanidade se encontrou pela primeira vez com ele. Ele tem sido um parceiro indispensável, se não sempre confiável em nosso desenvolvimento histórico. Com o fogo nós mantemos um relacionamento rigoroso com uma natureza inconstante: totalmente incontido em um momento e totalmente indisciplinado no momento seguinte. Ele nos traz o calor, mas também queima. Ele mantém à distância o perigo, mas também revela a nossa presença. Convoca para o devaneio poético, mas também nos hipnotiza e nos deslumbra. Às vezes ele nos deixou abandonados, somente para retornar novamente. Dos quatro elementos – terra, fogo, água e ar – o fogo é o irmão ardente. Apesar do seu temperamento tumultuoso, apesar do fato de que é composto não somente de poderes benevolentes, mas também maliciosos, destes quatro “irmãos” elementais, é o fogo que a humanidade sempre foi capaz de identificar melhor. Como nós, o fogo é uma criatura viva. Ele nasce, precisa de alimento e de oxigênio, envelhece e morre.
O fogo é a vida orgânica e, desde o seu encontro original com os seres humanos, muitas vezes se mostrou dependente de nossos “cuidados” para sobreviver. Em troca, ele nos emprestou um pouco do seu poder e serviu como uma ferramenta vital para nós, tanto física, quanto mentalmente. O fogo nos tem trazido não somente proteção, alimento comestível, e ferramentas, mas também iluminação, no sentido epistemológico da palavra. Ao observarem as chamas, ao verem o reflexo nelas, por assim dizer, os seres humanos têm alcançado uma consciência valiosa de si mesmos, como resultado de uma transformação que cria, enquanto outra coisa é destruída ao mesmo tempo (Bachelard, 1996).
O fogo sempre nos atraiu e a contemplação e a introspecção nos fizeram ver como se fosse pela primeira vez. E para o observador atento ele tem sido a “ilustração” da transcendência: a conseqüência de uma chama trêmula, dinâmica e sublime da vida, capaz de erradicar ou de consumir um material terreno, impuro. Um processo que não é nada menos do que a oportunidade de crescer como um indivíduo espiritual e criar uma existência radicalmente nova e diferente. Em outras palavras, o fogo é um iluminador – uma fonte de compreensão existencial, de percepção e de identificação.
A CHAMA SAGRADA
O movimento do espírito é como o do fogo – ele se eleva. (Claude de Saint-Martin)
Que o fogo é o mais “sagrado” dos quatro elementos foi visto no início nas narrativas mitológicas e contos da criação, em todos os cantos do mundo. A partir das crenças tribais da África e da Índia à religião mística e a mitologia Grega, é possível reconhecer histórias arquetípicas relatadas de um ser místico que envia aos seres humanos uma bênção cultural ou ferramenta na forma do fogo. Foi com o aparecimento do herói cultural e de sua apresentação do dom da chama que a cultura veio a existir e que os seres humanos finalmente assumiram o seu caráter próprio. Na tradição cultural Judaico-Cristã é também possível encontrar exemplos no Velho Testamento do significado do fogo sagrado para o estabelecimento da ordem humana. Como dito em Deuteronômio, Deus (Jeová) se manifestou como fumaça e chamas no Monte Sinai, e que esta descida conduziu a criação de Israel como um povo e uma sociedade. Em sua dissertação sobre o fogo devorador, Hans J. Lundager Jensen, pela mesma razão, coloca o fogo na montanha como o ponto focal do Velho Testamento (Lundager Jensen, 2000, página 441.)
O valor do envolvimento de pessoas com o fogo e, portanto, com os princípios sagrados podem – e não deveriam ser subestimados. Como afirmado acima, este desempenha um papel importante na compreensão humana e no seu processo do desenvolvimento. Porque por milênio temos nos esforçado e sonhado com um grau maior de participação no aspecto sagrado ou celestial de nossa existência, e o maior conhecimento que esta participação traria, pode ser considerado natural que tenhamos feito de tudo ao nosso alcance para mantermos o foco, tanto interna, quanto externamente.
O fogo queimou o seu caminho na história, pelo menos por causa de nossa constante preocupação com a nossa sobrevivência. As narrativas aqui abundam: A partir das histórias do Velho Testamento sobre o fogo devorador dos sacrifícios, que residia no Santuário e acendia o fogo eterno do altar, à representação do sacerdócio de mulheres especialmente selecionadas da antiga Roma – as Sacerdotisas de Vesta – que dedicaram as suas vidas a cuidar da pira no Templo redondo de Vesta; até hoje, quando o fogo eterno, em uma forma re-mitificada, repousa sobre os túmulos dos soldados desconhecidos, como uma memória das vítimas que foram mortas nas batalhas, e como uma marca da vida eterna, não somente na vida futura, mas também em memória de gerações posteriores.
Por último, nós também guardamos a Tocha Olímpica, que é acesa antes de todos os Jogos Olímpicos, usando os raios do sol em um espelho parabólico e então, carregada através da passagem de uma tocha da Grécia, até o local onde os jogos serão realizados. Como uma marca da alma ardente e do espírito competitivo dos Atletas Olímpicos, ela brilha sobre o lugar onde os jogos são realizados, e ao mesmo tempo, evoca a chama que nos tempos antigos queimavam em honra à Zeus, durante os grandes festivais dos Gregos.
A PSICOLOGIA DO FOGO E A FÍSICA DA CHAMA DA VIDA
O mundo é uma semente para um mundo melhor, assim como a humanidade é uma semente para uma humanidade melhor, como chamas amarelas pesadas são uma semente para uma chama branca e mais leve. – Gaston Bachelard
Assim como as pessoas têm sempre protegido e cuidado do fogo selvagem para a sua contínua existência, assim temos também protegido a chama do espírito e sentido instintivamente o seu aumento e o seu abrandamento periódico. Temos sabido por muito tempo da necessidade de não somente nos reunirmos ao lado da fogueira para continuar a termos luz e calor através da escuridão da noite, mas também de inflamarmos os nossos fogos internos, quando a centelha da vida está baixa. Somente através de um fogo purificador é possível reivindicar o poder, deixar os abismos da existência e suprir o espírito com a energia que ele precisa para novamente surgir como uma chama em toda a sua glória. Somente depois que o espírito tem se mostrado que a remoção da “matéria negra” da melancolia – a transformação de suas qualidades “físicas” em etéreas – há uma vitalidade absoluta da vida; e pode também trazer o benefício de elevar a alma a até maiores alturas e de se amadurecer como um ser espiritual. Através da queima das pontes e de começar de novo, pela queima dos demônios internos e de se doar mais ao destino das chamas (Bachelard, 1996, pág. 77), pode-se afirmar ter alcançado um novo grau de plenitude da vida e de sabedoria.
Ao observar e decodificar a pulsação da chama externa se tem aprendido muitas coisas, e muito sobre a chama interior: sobre os movimentos da mente e da alma, e como o ser interior – nosso poder secreto – pode ser fortalecido e disciplinado. O fogo tem se mostrado não somente com o poder de melhorar a nossa vida diária, mas também a nossa vida mental. Como o instrumento mais importante para qualquer ciclo extensivo de transformação, ele tem iluminado o mundo da humanidade.
O FOGO DOS ALQUIMISTAS: GRAUS DO FOGO
Nós encontramos alguns dos melhores exemplos do fogo, tanto como um poder interno, quanto externo, nos velhos tratados alquimistas da Idade Média. Os alquimistas eram os cientistas dos tempos antigos, e o seu propósito era não somente refinar os metais como ferro e chumbo, mas também refinar materiais orgânicos. Com base na teoria de que tudo contém os quatro elementos em proporções variáveis, foi a convicção dos alquimistas de que ao alterar o conteúdo proporcional de um determinado material, por exemplo, o ar ou a água, era possível transformá-lo em um produto mais valioso, como o ouro. Os alquimistas praticaram esta transformação principalmente expondo os materiais ao calor intenso.
O que poucos deles perceberam era que este trabalho iria gradualmente implicar em um refinamento da alma dos sábios. A observação intensa das chamas do Athanor – o forno dos alquimistas – trouxe uma introspecção filosófica ou um sonho nos alquimistas, em que eles chegaram a ver o brilho do forno como reflexo do seu próprio ser interior. Eles perceberam que a sua mente deveria ser capaz de sofrer a mesma transformação que este material passou, quando exposta ao calor do fogo. Em um tipo de processo paralelo, o alquimista purificou tanto os seus materiais físicos, como a sua alma, criando as condições para que surgisse algo novo e aperfeiçoado, como uma fênix ressurge das cinzas.
Através dos quatro estágios da dissolução e da reconstituição que caracterizava o opus alchymicum (ou seja, o processo alquímico de transmutar metais mais baratos em mais preciosos), os alquimistas se aproximaram do seu objetivo final: a consciência divina. Um objetivo que foi atribuído ao fogo como um elemento. O processo foi lento, e poderia em alguns casos se estender pela maior parte da vida. A cada vez que o alquimista conseguia avançar mais um passo no caminho da transformação, ele era novamente forçado a deixar o seu material derreter ou apodrecer – deixá-lo dissolver na assim chamada matéria-prima. A partir do estágio terreno, nigredo, ele deveria primeiro passar pelo branco, pelo aquoso e amarelo, pelos estágios atmosféricos (albedo e citredo), antes de finalmente alcançar o vermelho intenso e o estágio final (rubedo): o estágio de transformação, onde ele foi finalmente capaz de tornar um metal impuro em um perfeito, e, assim, atingir a completa sublimação da alma. Um nível que significava a transcendência espiritual e a ressurreição, e até mesmo a imortalidade.
Em cada um dos estágios da transformação, a força do fogo como um potente poder transformador, duplicou. Somente o desenvolvimento do fogo – de lento e leve à moderado e temperado para poderoso e forte, e finalmente para abrasador e violento, como um purgatório – poderia tornar possível para o alquimista no último momento “brilhar com a incansável luz do próprio sol.”
Considerando que a alquimia, por causa de suas qualidades filosóficas, esotéricas, introspectivas e criativas – a química moderna tem decaído a uma reação atômica. No entanto, o fogo pode ainda nos inspirar e nos mover, e como resultado do seu poder de influência e de sugestão, ele aparece frequentemente na arte. O projeto Coliseu em Chamas é um bom exemplo disto. Através das instalações de vídeo em grande escala, os artistas Thyra Hilden e Pio Diaz “queimaram” inúmeros monumentos e instituições importantes da cultura ocidental. Trabalhando a partir da base de um tipo contemporâneo de alquimia, o casal libera a alma purificada do fogo e deixa que ícones culturais sejam consumidos pelas chamas, a fim de revitalizar a cultura e a arte.
Youtube – Coliseu em Chamas - http://www.youtube.com/watch?v=UIlaOfAMKAU&feature=player_embedded
Youtube – Sinta o Fogo - http://www.youtube.com/watch?v=oa4W34mdo9M
Tradução: Regina Drumond – reginamadrumond@yahoo.com.br
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